Crédito Divulgação Gabriel Ferreira JC Imagem
26/09/2023
Recebi esta semana uma publicação da jornalista Roberta Soares comentando sobre os testes e a possível implantação de catracas elevadas nos ônibus urbanos de Recife, em Pernambuco. Fiquei curioso e, ao ver a imagem, mudei minha reação para completamente estupefato, perplexo, abismado.
Como pode em pleno século XXI no momento no qual estamos discutindo sustentabilidade, práticas ESG, mobilidade eficiente, uma autoridade ou órgão público permitir a implementação de algo tão absurdo com o usuário. De que adianta veículos elétricos, piso baixo, suspensão pneumática, sistema de ar-condicionado, se o passageiro é tratado como gado. É tratado como se todos ou a maioria realizasse invasões ou burlassem as catracas para não pagar o valor da passagem.
O pior que o teste foi autorizado pelo governo de Pernambuco, gestor do transporte público por ônibus da Região Metropolitana do Recife. As catracas elevadas ou duplas estão em teste em 32 ônibus de algumas linhas do Recife desde junho e já causaram problemas para os usuários. Uma mulher teria ficado com a cabeça presa no equipamento ao tentar passar, enfrentado dificuldades para conseguir se libertar. A situação aconteceu no dia 15 de setembro, na linha 604 – TI Macaxeira/Alto do Burity, operada pelo Consórcio Recife, que reúne as empresas Pedrosa e Transcol. O flagrante foi filmado por passageiros revoltados com a situação e ganhou as redes sociais.
Nas imagens é possível ver a indignação das pessoas, a agonia da mulher com a cabeça presa na catraca e a dificuldade do motorista para ajudá-la a se livrar do equipamento. Essas catracas elevadas começaram a ser testadas para evitar a invasão dos coletivos por pessoas que não pagam a passagem e o teste está sendo acompanhado pelo Ministério Público de Pernambuco (MPPE).
O Grande Recife Consórcio de Transporte Metropolitano (CTM), gestor do sistema de transporte público por ônibus da RMR e quem autorizou as operadoras a testar as novas catracas elevadas no meio e também na porta traseira dos coletivos, e o Consórcio Novo Recife se pronunciaram. O primeiro afirmou que os técnicos do órgão irão periciar o equipamento para entender o que aconteceu. O consórcio disse apenas que os testes têm funcionado bem.
O novo modelo (no mínimo retrógrado) de catraca tem sido testado em diversas linhas do Sistema de Transporte Público de Passageiros da Região Metropolitana do Recife como forma de combater os embarques irregulares que prejudicam a operação e comprometem o financiamento do serviço de transporte por ônibus.
Segundo o CTM, os critérios para a escolha das linhas foram a incidência de pulo de catracas e as invasões pela porta traseira dos ônibus. O órgão garante que a operação está sendo acompanhada de perto para avaliar os resultados e se justificam o uso do equipamento elevado na dianteira e traseira dos coletivos. A previsão é de que os testes sigam até o final de outubro para, em novembro, os primeiros resultados serem apresentados ao MPPE.
Equipamentos semelhantes foram colocados nas estações dos Corredores de BRT Norte-Sul e Leste-Oeste, entre 2019 e 2020, também para inibir os pulos de catracas, e receberam muitas críticas.
A evasão de receita que as invasões do sistema têm provocado chegaria a um prejuízo de R$ 20 milhões por mês e que representaria entre 15% e 20% da receita do sistema. E, de acordo com o governo do Estado, é um custo que está sendo absorvido pelos passageiros que pagam a tarifa, o que não procede porque que arca com essa diferença é a operadora ou o órgão concedente. Oficialmente, segundo o CTM, há empresas que registram uma evasão de 6% a 10%.
A promessa do governo do Estado é de que as catracas, mesmo elevadas – ou seja, bloqueando totalmente o espaço de passagem, de cima a baixo – irão garantir a acessibilidade da população. Inclusive de pessoas com sobrepeso, obesas e gestantes, por exemplo.
Segundo o CTM, o objetivo do Estado é que o uso das catracas elevadas seja temporário e moralizador para que não precise ser permanente ou ampliado para um número maior de frotas.
Não seria melhor instalar sistema de monitoramento com gravação das imagens para a identificação dos infratores? Não seria mais justo e aceitável com todas as pessoas que pagam e fazem uso diariamente do transporte coletivo?
A impressão que tenho é que, mais uma vez, os corretos são submetidos a situações vexatórias, absurdas como se todos fossem infratores.
Mesmo que a evasão corresponda a 20% da receita, nada justifica expor os passageiros a uma situação absurda e indigna como esta. A operadora deveria desenvolver e propor uma solução mais amigável e digna para a população e não algo grosseiro, que afronta o usuário e desqualifica o transporte por ônibus.
Por enquanto, isso está sendo testado em Pernambuco, mas se a moda pega, imaginem esse equipamento em veículos de outras capitais ou estados brasileiros? O caso de Recife deveria servir como exemplo de “Piores práticas ou piores soluções de transporte”.